O que os óculos nos ensinam sobre o futuro
Marcos Aurélio Pedroso
Marcos Aurélio Pedroso
Tendências e Novos Negócios • Tecban
25 de novembro de 2025

O que os óculos nos ensinam sobre o futuro

Originados no século XIII como simples lupas de vidro para corrigir a visão, os óculos evoluíram de forma notável. De um instrumento óptico básico, transformaram-se em uma importante tecnologia assistiva e, mais recentemente, em dispositivos vestíveis ("wearables") sofisticados, graças aos avanços na miniaturização de componentes eletrônicos. Essa jornada histórica culmina nos desafios atuais de gigantes da tecnologia, como Google e Meta, que buscam integrar a computação ao nosso campo de visão.

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O caso do Google Glass tornou-se um dos exemplos mais emblemáticos de como tecnologias imaturas, combinadas a uma proposta de valor pouco clara, podem comprometer o lançamento de um produto inovador.

Apesar de visionário, o Glass encontrou barreiras que inviabilizaram sua adoção em massa: preço elevado, preocupações com privacidade (a câmera onipresente gerava desconfiança), limitações de usabilidade e a ausência de um caso de uso realmente transformador para o consumidor comum. Sem tração, acabou reposicionado para o ambiente corporativo e, anos depois, descontinuado.

A verdade é que, naquele momento, a tecnologia não acompanhava a ambição, especialmente em IA contextual, captura de ambiente e processamento embarcado, que hoje são a base dos novos projetos.

Em paralelo, empresas como a Meta continuam apostando no conceito de óculos inteligentes, agora apoiadas por avanços significativos em IA generativa, sensores mais precisos e miniaturização de componentes. Ainda assim, demonstrações recentes mostraram erros importantes ao vivo, evidenciando o quão desafiador é integrar IA em wearables sem comprometer usabilidade e performance.

Esses dois episódios revelam um ponto central: quando a tecnologia ainda é experimental, o risco de falhas aumenta, e o modelo de inovação escolhido pode ser o fator crítico entre aprender rápido ou errar grande.

Google: P&D avançado + Corporate Venture para construir um ecossistema

O Google Glass nasceu na Google X (hoje X – The Moonshot Factory), o laboratório de projetos futuristas da companhia. Para expandir o alcance da tecnologia, o Google estruturou um consórcio de Corporate Venture com fundos de venture capital, incentivando startups a criarem aplicativos, serviços e acessórios que pudessem sustentar o ecossistema do Glass.

Ou seja:

  • o produto teve origem interna, em um ambiente de P&D de altíssimo risco;

  • o ecossistema foi desenvolvido por meio de estratégias de Corporate Venture, conectando startups à visão de futuro da companhia.

O Corporate Venture permitiu ao Google explorar possibilidades rapidamente, acessando talentos e soluções externas. No entanto, a imaturidade tecnológica e social do produto limitou a capacidade de o ecossistema florescer. A rede estava pronta, mas o terreno ainda não.

Meta: integração vertical — hardware + IA — para acelerar o futuro (e os riscos)

A Meta adotou um caminho diferente. A empresa concentra esforços na Reality Labs, sua divisão de P&D dedicada a hardware, sensores e IA. Somada a parcerias como a EssilorLuxottica (para design e lentes), a estratégia busca controlar todo o dispositivo, do óculos ao modelo de IA embarcado.

Esse modelo oferece maior velocidade e controle, mas também eleva os riscos. Falhas em demonstrações públicas não afetam apenas um protótipo: respinga diretamente na narrativa de futuro que a empresa constrói.

E onde entra o Corporate Venture nisso tudo?

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O universo do Corporate Venture Capital (CVC) é vasto e dinâmico, abrangendo uma gama diversificada de termos e conceitos que são cruciais para entender e navegar nesse campo.

O Corporate Venture, por meio de CVCs (Corporate Venture Capitals), aceleração, inovação aberta e pilotos estruturados, funciona como o radar e o laboratório de experimentação das grandes empresas.

Em tecnologias emergentes, ele ajuda a reduzir a cegueira tecnológica típica de estruturas internas, expondo corporações a sinais fracos, tendências e soluções ainda em estágio inicial.

Ele permite:

  • identificar tecnologias promissoras antes de grandes investimentos;

  • testar hipóteses em conjunto com startups especialistas em nichos críticos;

  • iterar de forma ágil, mas com menor custo operacional e reputacional;

  • escalar apenas o que demonstra aderência real ao mercado.

Em outras palavras: o Corporate Venture permite que empresas aprendam com o futuro sem comprometer o presente. Ele atua como amortecedor entre a ambição tecnológica e a realidade,  ajudando organizações a errar pequeno para acertar grande.

Conclusão

Google e Meta mostram que inovação de fronteira não fracassa por falta de dinheiro ou talento, mas por falta de maturidade (tecnológica, social e de mercado). Tecnologias experimentais exigem timing, testes reais e modelos de inovação capazes de proteger a empresa durante o aprendizado.

Num momento em que IA embarcada, sensores avançados e computação contextual evoluem rapidamente, o grande diferencial dos líderes não será lançar primeiro, mas compreender profundamente os limites da tecnologia e criar rotas seguras para ultrapassá-los.

É nesse ponto que o Corporate Venture se torna indispensável. Ele não elimina riscos, ele os redistribui, dilui e acelera o aprendizado. Em um mundo onde até gigantes tropeçam, inovar com redes de apoio é mais estratégico do que apostar tudo em lançamentos perfeitos.


Sobre o autor

Marcos Aurélio Pedroso
Marcos Aurélio Pedroso
Tendências e Novos Negócios • Tecban

Executivo de tecnologia do negócio, atuando no desenvolvimento de novos negócios e tendências na Tecban